2.12.10

PESTE NEGRA


Alguns jornalistas dos nossos dias classificaram o HIV (sida) e a Gripe A como a Peste Negra do sec XXI ; da mesma maneira a tuberculose foi a “peste negra “ do século XIX e a pneumónica a do início do século XX, tudo devido ao gigantesco número de mortes que provocaram no passado..
Mas afinal o que foi a PESTE NEGRA, surgida em 1348 ? Apenas uma doença, na altura de origem desconhecida que, em dois anos, levou à morte um terço da população europeia. “…..cidades desertas , campos abandonados cadáveres apodrecendo nas ruas , mercados vazios e um silêncio reinante onde antes havia bulício……A desconfiança havia-se instalado em lugar do afecto porque todos ,pais e filhos, vizinhos, amigos ou familiares podiam ser a fonte do veneno mortal….. assim escreve Giovanni Boccacio no seu Decameron. ( escrito entre1349 e 1353)
Numa sociedade medieval em que a religião dominava tudo, a população considerava o mal como um castigo divino, já que a dissolução dos costumes e a falta de honestidade do clero, eram razões suficientes para provocar a ira de Deus e o fim dos tempos . O Papa Clemente VI, numa bula de 1348 , declarava : “ Deus está castigando o seu povo com uma grande peste “.
Os sábios da época, embora não negando a intervenção divina , procuravam factores naturais para a doença. A universidade de Paris defendia que a origem da peste se devia à conjugação dos planetas Marte , Júpiter e Saturno sob o signo Aquário. Outros afirmavam que eram os gases da cauda de um cometa que provocara a peste e originara um sismo em Itália. Na Alemanha a culpa era dos judeus que tinham envenenado o ar e a água , razão por que foram assassinados aos milhares.
Os médicos desenvolviam numerosas teorias sobre o contágio, como o andaluz Ibn-al-Jatib que intuiu que a peste se contagiava através de corpos minúsculos , tendo prescrito que os doentes deveriam ser isolados e as suas roupas destruídas . Já para o italiano Gentile de Foligno o ar doente penetrava no corpo através da respiração , ia para o coração onde estava o espírito vital e daí se estendia a todo o corpo.
A descoberta destas vias de contágio deu lugar a teorias preventivas, hoje absurdas , como plantar arbustos aromáticos em volta das cidades para o ar pestilento não entrar, ou as pessoas lavarem-se numa mistura de limão, lima e água de rosas . Preconizavam usar uma máscara que cobria a cabeça e tinha a forma de um bico de ave .
Nesta época de obscurantismo e fanatismo religioso, faziam-se enormes procissões penitenciais com as pessoas a flagelarem as costas pois o sangue do sacrifício aplacaria a suposta ira de Deus.
Façamos agora uma pausa nesta descrição do que se pensava na Idade Média sobre a peste e historiemos, em resumo, as grandes epidemias :
1315-1317---O tempo excepcionalmente frio e chuvoso provoca escassez das colheitas e dá lugar às fomes. Esta população já debilitada pela fome sofrerá o embate da peste negra ou bubónica.
1334.-1346---No primeiro ano a peste provoca 5.000.000 de mortos na China. Entre 1337 e 1338 estende-se pela meseta central asiática e em 1346 atinge a Crimeia.
1347- 1350--- A peste vinda do oriente estende-se por toda a Europa nas suas formas bubónica , pulmonar e septicémica.
Século XVII--- Novos surtos de peste . Só Londres perde 100.000 habitantes o que corresponde a um quinto do total.
1720…..Um barco vindo da Síria atraca em Marselha e com ele vêm a peste . Morre metade da população da cidade. É o último grande surto de peste na Europa.
Mas o que era ou o que provocava a “peste negra”?
Nos porões dos navios de comércio que vinham do Oriente, entre os anos de 1346 e 1352, chegavam centenas de ratos. Estes roedores encontraram nas cidades européias um ambiente favorável para se reproduzir, pois os esgotos corriam a céu aberto e o lixo acumulava-se nas ruas. Assim os ratos passavam a ser aos milhares não havendo gatos em número ou fome suficientes para lhe dar caça , além das ratazanas serem enormes e atacarem os felinos. Estes ratos, sabe-se hoje, estavam contaminados com a bactéria Pasteurella pestis e as pulgas destes roedores transmitiam a bactéria ás pessoas através da picada. Os ratos também morriam da doença mas quando isto acontecia, as pulgas passavam rapidamente para os humanos para neles obterem seu alimento, isto é, o sangue.Após adquirir a doença, a pessoa começava a apresentar vários sintomas: primeiro apareciam nas axilas, virilhas e pescoço vários bubos (bolhas) de puz e sangue, daí o nome de peste bubónica. Em seguida, vinham os vômitos e febre alta. Era questão de dias para os doentes morrerem, pois não havia cura para a doença. Vale lembrar que, para piorar a situação, a Igreja Católica ,na época, opunha-se ao desenvolvimento científico e farmacológico. Os poucos que tentavam desenvolver remédios eram perseguidos e condenados à morte, acusados de bruxaria.
( A doença foi identificada séculos depois ,em 1894, pelo microbiologista Alexandre Yersin, depois do grande surto epidémico de Hong-Kong.)Relatos da época da epidemia mostram que a doença foi tão grave e fez tantas vítimas que faltavam caixões e espaços nos cemitérios para enterrar os mortos. Os mais pobres eram enterrados em valas comuns, apenas enrolados em panos. A doença provocou descalabro social e revoltas.
A visita da peste a Portugal, em 1348, ficou registada por escrito:"morria-se quase em saúde e os que hoje estavam sãos, iam amanhã a caminho da sepultura”.
Em 1384, o rei de Castela cercou Lisboa mas o exército invasor foi atacado pela peste. Conta Fernão Lopes:" começaram de morrer de peste alguns do arraial da gente de pequena condição. E quando algum cavaleiro ou escudeiro acertava de se finar, levavam-nos os seus a Sintra ou Alenquer ou a algum dos outros lugares que por Castela tinham voz, e ali os abriam e salgavam e punham em ataúdes do ar, ou os coziam e guardavam os ossos para os depois levarem para donde eram”
Também em 1414, quando se preparava a armada que deveria conquistar Ceuta, foram contratados navios estrangeiros que trouxeram o mal com eles. Registaram-se, em Portugal, epidemias mortíferas em 1423, 1432, 1435 e 1437. Algumas delas encontraram os portugueses com as resistências diminuídas pela fome. O rei D. Duarte foi morto pela peste em 1438.

As epidemias voltaram a assolar diversas regiões de Portugal nos anos de 1448, 1458, 1464 e 1469. Em 1477, a peste devastou Coimbra e propagou-se a Lisboa. As cidades procuravam defender-se do mal isolando-se. Os vereadores do Porto, assustados, estabeleceram como plano de defesa a interdição de entrada na cidade a quem não jurasse sobre os santos Evangelhos não vir de Coimbra nem de qualquer outro lugar onde a peste grassasse. As providências falharam e a peste entrou mesmo no burgo nortenho.

As epidemias foram-se repetindo, um pouco por todo o País. A utilidade das medidas de saúde pública foi-se tornando evidente e daí que em 1484, o rei D. João II mandou que se limpassem as canalizações bem como os monturos e esterqueiras e proibiu que se vazassem as imundices fora dos locais determinados. Naquele tempo ainda não se conheciam bactérias nem vírus, mas as causas da doença eram já atribuídas ao desrespeito das normas de higiene.

Como ainda hoje pode haver um surto destes devido a viajantes infectados vindos de países onde a doença é endémica por falta de sanidade pública, e porque referimos no texto a vários tipos de peste, vamos socorrer-nos de um MANUAL DA FARMACEUTICA MERCK que transcreveremos parcialmente, para explicar outros pontos.
As bactérias que causam a peste infectam principalmente roedores selvagens, como as ratazanas, os ratos, os esquilos e as marmotas das pradarias. A peste costuma ser transmitida às pessoas por meio das pulgas destes animais. Um acesso de tosse ou então um espirro de uma pessoa infectada dispersa bactérias através de gotas minúsculas, assim transmitindo a doença de uma pessoa para a outra. Alguns animais domésticos, em especial os gatos, também podem fazê-lo por intermédio das picadas de pulga ou pela inalação de gotículas infectadas.
Os sintomas da peste bubónica costumam aparecer de 2 a 5 dias após a exposição à bactéria, mas podem fazê-lo em qualquer momento, desde as primeiras horas até 12 dias mais tarde. Os sintomas começam subitamente com arrepios e febre até 41ºC. O batimento cardíaco acelera-se e enfraquece, de tal modo que a tensão arterial pode baixar. Os gânglios linfáticos inflamam-se (recebendo o nome de bubões) quando a febre começa ou mesmo um pouco antes. Em geral, os gânglios são extremamente dolorosos ao tacto, são duros e encontram-se rodeados de tecido edemaciado. A pele que os cobre é lisa e avermelhada, mas não mostra temperatura aumentada. É provável que o doente esteja inquieto, delirante, confuso e descoordenado. O fígado e o baço podem aumentar consideravelmente de volume, pelo que o médico os pode sentir facilmente à palpação. É possível que os gânglios linfáticos se encham de pus e drenem durante a segunda semana. Mais de 60 % das pessoas não tratadas morrem. A maioria das mortes verifica-se entre o terceiro e o quinto dia.
A peste pneumónica é uma infecção dos pulmões pelas bactérias da peste. Os sintomas, que começam abruptamente de 2 a 3 dias após a exposição às bactérias, são febre elevada, arrepios, ritmo cardíaco acelerado e, com frequência, dores de cabeça intensas. Em 24 horas começa a tosse. De início a expectoração é clara, mas começa rapidamente a apresentar sinais de sangue, até se tornar uniformemente rosada ou de cor vermelha intensa (semelhante a xarope de framboesa) e espumosa. É frequente o doente respirar rapidamente e com dificuldade. As pessoas não tratadas morrem geralmente dentro das 48 horas seguintes ao início dos sintomas.
A peste septicémica, outra variedade de peste, é uma infecção na qual a forma de peste bubónica se propaga ao sangue. Pode causar a morte mesmo antes de aparecerem outros sintomas da peste bubónica ou pneumónica.
A peste menor é uma forma ligeira de peste que costuma aparecer apenas na área geográfica em que a doença é endémica. Os seus sintomas (gânglios linfáticos inchados, febre, dor de cabeça e esgotamento) persistem ao longo de uma semana. A prevenção baseia-se no controlo dos roedores e no uso de repelentes para evitar as picadas das pulgas. Existe uma vacina, mas ela não é necessária para a maioria das pessoas que viaja para zonas onde se tenham verificado casos de peste. Aqueles que viajam e correm grandes riscos de exposição à doença podem tomar doses preventivas de tetraciclinas.

Sem comentários:

Arquivo do blogue